Acabo de retornar da quarta vez que faço uma parte do Caminho de Santiago o que, por si, já daria o Caminho todo. Até aqui nada demais. Caminhar cerca de 25 km por dia por quatro dias seguidos até que é bem viável e saudável. Tem gente que caminha muito mais do que isso.
Desta vez levei um grupo de 21 peregrinos do Brasil para fazer este processo que traz várias consequências. As consequências físicas são geralmente dolorosas. As emocionais são impactantes porque este processo mexe com a gente. Por mais que você se prepare, vai acontecer uma boa mexida. Todas as principais emoções vão aflorar. Você vai odiar, rir, chorar, lembrar, esquecer, amar, contemplar, distrair, praguejar e agradecer…
A mexida dita espiritual também é muito intensa. São os famosos insights (a "luz"), conhecido também como "cair a ficha". Claro, isso vai acontecer na proporção da sua abertura para que isso ocorra. Cada um leva o que foi buscar, nem mais, nem menos.
Pois caminhava eu pelo terceiro dia, percorrendo os tobogãs galegos conhecidos como "rompe piernas", sequências intermináveis de lombas, subidas e descidas excruciantes quando me caiu uma ficha digna de nota. Olha que não me considero novato. Já fiz vários "Caminhos" e já tive oportunidade de inúmeras preciosas "fichas" caírem ao seu tempo. Esta foi diferente. Foi surreal.
O caminho de Santiago, o Francês, na sua parte final, que chega a Santiago da Compostela, na parte da chamada Galícia espanhola, é rural, montanhoso e cheio de pequenas propriedades dedicadas à pecuária leiteira. Produz-se um leite fabuloso e um queijo muito especial. Por isso, nesta parte do Caminho, o próprio é cheio de bosta pelo Caminho. Literalmente, trata-se de um caminho de bostas. Por onde você andar vai cruzar, desviar, pular ou se enredar em bosta.
Ao mesmo tempo é uma das partes mais bonitas e mágicas do Caminho, principalmente pelas árvores, vegetação, relevo, riachos e o contraste do casario com o céu azul.
Num dado momento me dei conta que se olhasse só para a bosta à frente, me salvaria dela mas perderia a beleza estonteante ao redor e acima. Se olhasse só para o que há de belo, certamente acabaria pisando na bosta o que, convenhamos, não é recomendável. Assim, uma imensa ficha me caiu: "Peregrino, mantenha sempre um olho na bosta e outro na beleza".
Assim é no Caminho da vida. Sempre tem muita bosta pelo caminho, mas também tem muita beleza. Se quiser olhar só para a bosta, terá um caminho de bostas… Se negar a bosta e olhar só para a beleza ao redor, verá um bom bocado de beleza e enfiará os pés na bosta… Assim, no Caminho da Vida, Peregrino, mantenha um olho na bosta e outro na beleza…
Bon camiño Peregrino
